27.1.08

"Adúlteros desorientados"


Um adúltero tenta encontrar justificação para a sua vida dúplice no relato dos inúmeros adultérios reais, possíveis e imaginários. Com um humor desconcertante, viaja pelo estado de confusão em que estão submersos os adúlteros, permanentemente obrigados a uma vigilância constante para que a sua opção de vida não se torne transparente aos olhos dos outros. Sempre encarando o adultério como algo a que não se pode escapar, enfim uma vocação ou até uma metáfora da própria vida.

A verdade é que agora mesmo se estão a cometer no mundo milhões de adultérios nos lugares mais convencionais que se possa imaginar, mas também nos mais estranhos. Há adúlteros da tarde e da manhã e da noite e da madrugada, de fim-de-semana e de dia útil. Os sítios em que se consuma a infidelidade são também dos mais variados, desde apartamentos com cheiro a cebola a hotéis de terceira, passando por sótãos, automóveis, salas de fotocopiadoras ou palácios. E cada um destes lugares é como uma bolha em cujo interior flutuam duas pessoas que durante umas horas conseguiram escapar às imposições do espaço e do tempo. Os adúlteros fornicam, conversam, discutem ou choram no interior de um compartimento estanque em que a única coisa que chega da realidade exterior é o oxigénio.

Texto: Juan José Millás
Interpretação: Pedro Carreira

Durante toda a peça, não me saiu da cabeça aquela visão interessante que Desmond Morris apresenta sobre a bigamia em "O Macaco Nú". Desengane-se quem julga que o Homem é um ser monogâmico: não o é! Enquanto não se conseguir libertar (que não consegue!) da sua condição animal, a monogamia só tem razão de ser num processo de aculturação forçado, em que são reprimidos os instintos mais básicos, neste caso, o cio. Além disso, outras civilizações aceitam a bigamia como uma forma estruturante das relações entre os seus membros.

Lembro-me agora de ter lido em "Tristes Trópicos", do filósofo e antropólogo francês Claude Lévi-Strauss, ao observar sociedades indígenas amazónicas, verificou que numa dessas tribos constituída por cinco homens e sete mulheres, rotativa e temporariamente, dois dos homens ficavam com duas mulheres cada um. Forma simples e prática de evitar conflitos e situações de ruptura. Quando o Homem quer, sabe!

monge

24.1.08

Eu, Torga!

Nem é tarde nem é cedo!

Há já algum tempo, que andava com este post, literalmente, atravessado na lembrança. Ainda não o tinha editado, nem sei bem porquê! Uma coisa tenho como certa: aquilo que vou dizer, embora não seja segredo nenhum, também não pretende ser nenhuma maledicência, nenhuma blasfémia, nem tão pouco modifica nem ensombra, absolutamente, em nada, a ideia que tenho deste "nosso" enorme escritor. Tanto que, depois de já ter vários dos seus títulos, no ano passado, adquiri a obra completa de Miguel Torga.

Dois anos de docência em Sabrosa e outros tantos a almoçar em restaurantes de S. Martinho d'Anta, permitiu-me ter um contacto directo com algumas ideias e opiniões acerca de Miguel Torga. Se os alunos seus conterrâneos diziam coisas como: "tem a mania que é importante" ou "não liga a ninguém" outros espiritos mais esclarecidos e eruditos apelidavam-no de "arrogante", "snob" e até mesmo "intratável".

Por mim, ficava-me com a ideia que, talvez fosse resultado de alguma incompreensão da alma do artista ou algum sentimento de inveja impregnasse o pensar das pessoas da sua terra. Nunca tive muito em conta todas essas considerações. Quem tivesse lido "Contos da Montanha", "Novos Contos da Montanha", "Bichos" e "Vindima" na sua juventude, de certeza que, cresceria, tal como eu, com a imagem de um homem que (des)escrevia com experiência real, o ambiente rural do seu Reino Maravilhoso. Viamos ali uma fortíssima ligação à terra e às suas gentes, de modos pobres e rudes, o que demonstrava um profundo conhecimento do seu meio natural. Não ponhamos sequer em questão que, o universo torguiano, compreende melhor do que qualquer outro, o palpitar de Trás-os-Montes no seu sentido mais cru e mais autêntico, no encontro com o seu doloroso destino.

Mas, como é que, um homem que tão bem escrevia sobre o seu povo não tinha ligações com ele? No ano passado, aquando do centenário do nascimento do escritor, numa entrevista a um semanário local, o Padre Avelino, amigo e companheiro de caça de Torga, ele mesmo admite que, apesar de ser "um homem titânico e vertical, onde não havia mentira" não era "estimado nem reconhecido" na sua terra natal e as pessoas achavam-no "mal educado, duro, agreste", "homem de poucas palavras e pouco simpático". Consciente destes sentimentos adversários para com a sua pessoa, Miguel Torga desabafava com o seu amigo: "eles um dia mo dirão"!

E o que dizer então? Por mim, sem mais demoras, fico-me com uma frase de António Arnaut, no Jornal de Letras de 17 de Janeiro de 1996: "O homem é a sua vida, o escritor a sua obra".

monge

19.1.08

Sísifo


Recomeça...
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.

E
, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar
E vendo,
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com a lucidez, te reconheças.
Miguel Torga


18.1.08

Palavras de Marfim


Nem sempre a terra nos sustenta
A braços com seus vazios
Nem sempre da água nascem rios
Rumo a paragens distantes
E quase nunca as noites frias
São maiores do que os instantes


Carlos Manuel Lopes - «Ecos de Belém», poema a Mia Couto

monge

17.1.08

O primeiro livro do Pedro


Este livro, no meu entender, representa uma recompensa (e um enorme prazer) para o Pedro, por toda a sua curiosidade e o seu interesse em factos históricos nacionais e mundiais.

Nestas últimas semanas, nas idas e nas vindas para a escola do Pedro, outra coisa mais não fiz do que ser bombardeado por perguntas sobre factos da nossa história. A surpresa, veio logo quando, ele enunciava com grande facilidade os cognomes dos nossos primeiros reis e depois quando se voluntariou para pesquisar e realizar a biografia de um desses monarcas, tendo recaido a escolha, obviamente, sobre D. Pedro I.

As respostas a tantas perguntas, se umas o satisfaziam, outras não me atrevia eu a dar-lhas, esquivando-me e remetendo-o para que isso fosse motivo de pesquisa e dar assim uso a alguns recursos sobre história que pairam cá por casa. De uma forma ou de outra, lá me via obrigado a desviar algum do meu tempo e rapidamente digitar em motores de busca algumas das suas dúvidas.

Ultimamente, já sobre a história mais recente, lá voltava ele ao ataque com mais uma saraivada de interrogações: " - Para onde foi o Marcelo Caetano depois do 25 de Abril?"; "- Quem vendia as armas aos pretos na guerra colonial?"; "- O Salazar era amigo do Hitler?"; "- Por que razão o Hitler estendia a mão?" Até que finalmente, tudo desembocou na Holocausto.

Lembrava-se ainda, com a sua infindável memória, de um filme que tinhamos visto - Freedom Writers (muito aconselhável) - onde se fazia referência a Anne Frank e ao seu dramático dia-a-dia. Daí, nada melhor do que, presenteá-lo com este título para que assim, fique a conhecer melhor a dimensão do que o ódio é capaz.

Quando, hoje, lhe atirei com o livro para cima da cama, depois dos mais carinhosos agradecimentos, surpreende-me assim: " - Pá, sabes qual era o meu maior sonho? Era ter vivido o 25 de Abril!"

Nã! Isto devem ser coisas de garoto que ouve música de intervenção e vê videos da dita revolução!

monge

13.1.08

Primeiro livro do ano


Personagem oculta por inúmeras e sucessivas camadas de interpretações ideológicas, quer eruditas quer populares, a figura verídica do primeiro rei de Portugal só muito hipoteticamente se pode reconstituir nas suas dimensões históricas. O mito sobrepõe-se, teimosamente, à história, para justificar a permanência da nação que fundou e justificar a confiança que os cidadãos de todos os tempos têm posto na colectividade a que pertencem. Mas pode-se tentar descobrir como nasceram as diversas narrativas tecidas em trono da sua personalidade, examinar o sentido que tinham quando apareceram e reconstituir os sucessos de que Afonso Henriques foi protagonista principal. Se não é possível traçar-lhe o retrato preciso, pode-se, ao menos, estudar as suas orientações politicas e administrativas, conhecer os seus principais auxiliares e justificar o êxito da sua obra. Apesar de assim desaparecer o herói sobrenatural, toma inegável relevo o seu talento político e militar e, por conseguinte, o seu direito a ser de facto considerado o rei fundador de Portugal.

Já se tinha postado sobre Afonso Henriques e sobre este título aquando da criação do blog. Agora que recebi um voucher de acumulação de pontos de uma livraria, fui a correr convertê-lo neste título, do qual já andava à coca. Estou convencido que, deve ser interessante ler a biografia deste monarca pela pena de José Mattoso.

monge

11.1.08

"PAX ROMANA"


A Pax Romana, expressão latina para designar "a paz romana", foi o longo período de relativa concórdia experimentado pelo Império Romano. Iniciou-se quando Augusto César, em 29 a.C., declarou o fim das guerras civis e durou até ao ano da morte de Marco aurélio, em 180 d.C.

A ESTE - Estação Teatral - companhia sedeada no Fundão, levou a cena esta peça, no Teatro de Vila Real, representando um pelotão de legionários romanos a recuperar das suas mazelas, depois de uma refrega com o inimigo.

Bem, devo dizer que o encantamento deste momento resultou muito bem, não pelo texto em si (falado num engraçado "latinês") mas sim pela expressão corporal, pelo trabalho gestual, pela pantomima, valorizando sobremaneira o processo criativo dos actores, tornando-os capazes de cativar os sentidos do espectador. Muito bom!

monge

10.1.08

A Memória das Pedras

Vontade

Que bom seria ser feliz!
Cortar o tédio pela raíz.
Embarcar nas memórias da saudade
partir sem destino marcado
regressar sempre a algum lado
e acreditar em todas as verdades.
Pudera ser eternamente assim!
Mesmo não sabendo de mim
não esqueço que trago comigo
sombras de um passado antigo.
Mas o vento bate devagar
empurrando com um surdo olhar
a vontade de viver.

monge

7.1.08

Alegria


" o ser humano que não sente alegria naquilo que faz não pode esperar que a consiga transmitir àqueles que o vêem"

Brecht

monge

6.1.08

Vamos cantar as Janeiras ...


Encontro de cantadores de Janeiras

Grande Auditório do Teatro de Vila Real. 5 de Janeiro 2008/21h00

Valeu a rusticidade dos trajes, a jovialidade dos cantadores e o enorme calor humano que se sentiu naquela sala, aplaudindo efusivamente em prol da defesa e divulgação da Cultura Popular.

Guardo ainda da minha meninice, as rondas que também fazia neste dia pelas frias e alegres ruas da minha aldeia, acompanhando o grupo de cantadores que ia enchusmando à medida que decorria a ronda. O que na altura caía no saco, era o consolo de uma mão-cheia de figos, castanhas ou nozes, ou então uma peça do ainda fresco fumeiro e por vezes algum dinheiro.

Desde ai, já só me lembro, mais recentemente, de aparecerem uns catraios à espera de "algo" ou de alguma moedita, porque outra coisa não mereciam, visto que a sua presença só se anunciava por um denunciador bater na porta e um seco: " -Dê-nos as Janeiras!".

Quem me dera reproduzir aqui, algumas das quadras usadas em tais cantorias, mas a memória já me atraiçoa e de nada adiantariam os salpicos de uns poucos versos despernados. Talvez para o ano. Até lá.

monge

5.1.08

FAN


FAN — Festival de Ano Novo - música séria para gente divertida
Edição 2008

Para dar uma espreitadela: www.festivaldeanonovo.com .

No folheto, poder-se-ão ainda encontrar algumas informações adiocionais tais como: mapas, restaurantes e hotéis, de Bragança, Chaves e Vila Real.

monge

4.1.08

B(logo), existo ...


Quando respondemos em inquéritos, quais são os nossos hobbies, vejo-me sempre a responder as mesmas coisas: literatura; cinema; música e viagens (e estranhamente, viver).

Quando surgiu a decisão de criar este blog, mais não foi do que fazê-lo com um sentimento de partilha. Passado meio ano da sua existência, poderá ser altura de fazer um balancete e concluir que, a única coisa que lamento é não ter tido tempo para partilhar mais daqueles momentos.

Não se pense (embora se diga) que isto soa a qualquer tipo de vaidade ou exibicionismo. Errado! Se se tornou um espaço (muito) pessoal? Certo! Julgo que todos os blogs o são! Mas, só com a intenção de que, essa individualidade se transformasse em comunhão. Se li, se vi, se ouvi, se fui e se vivi, soa-me estranho o emprego de outra forma verbal que não seja a que reflecte a pessoa que fala, o agente da acção.

No entanto, na sua génese, este espaço pressupunha a presença de um nós: monge e eremita (pessoa com quem partilhei grandes momentos da minha vida, muitos serões de poesia e outras tantas loucuras sãs!, e que no espaço de vinte anos, só tomamos um fugaz café, numa soalheira tarde outonal) . Por isso, a vontade de blogar com o eremita foi crescendo, com a ideia de ouvir e saborear palavras sentidas para tentar (re)fazer a (re)construção de momentos perdidos de uma existência comum. Vejo agora que, em toda a congeminação deste espaço, o eremita, sem ser tido nem achado, boamente se prontificou também a partilhar alguns dos seus momentos tendo em vista talvez o mesmo objectivo. Grato, meu bom amigo!

Agora, quanto a todos aqueles que visitam este canto, são uma agradável companhia, serão sempre escutados e nunca ficarão sem uma palavra de volta.

Seja bem-vindo quem vier por bem!

monge

1.1.08

Ecce homo


Sem sono!



Ideias para um post: ecce homo.



Embora este chão de terra seja o mesmo, é preciso a sua renovação constante; estrumá-lo com todos os momentos que nos oferecem e revirá-lo para que outras memórias possam respirar.

Então, mergulhemos o braço audaz com vigor no saco e que venha a mão cheia de outras sementes anunciadoras de boas colheitas.

De cada vez que, qualquer data se aproxima, muitas vezes tenho pensado que é chegada a altura de dar novo rumo às coisas. Mas, foram já tantas as datas e tantas as coisas prometidas ao longo do tempo que, julgo ter-me esquecido de tudo o que foi prometido.

Não é por falta de vontade nem por falta de coragem, simplesmente, os dias vão passando e o significado que outrora se afigurava como fruto, paulativamente, vai-se diluindo e enrolando em outros motivos.

Tenho pensado, seriamente, em fundar a "seita do dia anunciado"para assim, encarar as coisas como definitivas.Qual quê!? Puro engano!Nada é definitivo .Tudo é tão inconstante!

Seja como for ,o início de cada ano pode servir como um marco ou sinal de viragem.Pois, mas o tempo passa e também nós passamos a vida atrás do tempo.

Olharmos para o passado é a pior forma de envelhecermos, antes termos de rejuvenescer no futuro, o lugar onde podemos encontrar alguma felicidade.

Precisamos de olhar para as coisas e vê-las dentro de nós.Sim, porque tudo temos dentro de nós.

A verdade só existe se acrteditarmos nela; a poesia só tem significado se as palavras nos tocarem a alma; a vida só é é real se a consegirmos viver...e por aí adiante!
monge