30.11.07


Paraíso da Palabra

A palabra é celme da existencia, flor da auga do manancial da vida, foula que acariña o alento e nos enche a casa de gabanzas.

Se vestimos de silêncio a voz morrinã, morrerá a emoción, o sentimento, pois será sentido de distinta forma e distintas serán as personas faladoras.

Se orbalho ou orbalheira abandonan os nosos beizos, deixará de orbalhar na nosa terra, nas cabezas, nas entranãs, para pasar a ser simplesmente outra forma de chover, algo mais maina.

De secarem os loureiros gloriosos e os sagrados sabugueiros ateigados de sanxoáns, perderá unha fatia o arco da vella e ficaremos sen remedios para a doenza.

Como saberemos dos rios de auga pura e clara onde moran as bogas e as xanas, se deixan de medrar longos amieiros?

Onde procuraremos o acougo da sombra fresca se tronzamos os carballos?

Se as rolas deixan de cantar nas polas enramadas, como habemos arrolar as noites da desconsolada infancia?

Coa desaparición da brétema, que enfeita encostas e valgadas, marcharán e o misterio a terras afastadas.

A luarada sementa luz en branãs e varcias, cavorcos e chairas, e pinta de prata as gavelas de toxos, xestas e carqueixas.

A raxeira do sol trae rechouchíos de lavercas que non paran de peneirar nubes e ventos até a chegada do solpor.

Se esquecemos o pequeno e festeiro rairo, quen alegrará as tardes das mil pozas de oucas e rabazas, de auga mansa?

Se lhes pomos lume ás seras de pan, onde aniñarán os fugaces paspallás?

Con que van enredar as mans cativas se non hai estraloques nen cichotes?

Como animaremos os caminõs de lama dos arrieiros sen asubíos, sen esgutíos?

Como van falar de amor os namorados sen amoras, sen morangos encarnados?

Se ocultamos as xoaniñas e as borboletas, como imos ver as cores do espírito da fala?

Se deixamos que morran as palabras herdadas, alfaias de tempo e son coas que campa a alma, estamos condenados. Seremos olladas embazadas, mentes atoldadas. Mar de bágoas alagará a luzada.

por Delfin Caseiro

É com este magnífico texto que Delfin Caseiro, outro autor de Límia e incansável cicerone de toda a jornada, abre a modos de prefácio o álbum de Anxo Rei, todo ele musicado com letras do poeta Antón Tovar. Muito bom!

monge

28.11.07

Morte


Entranãrei as cinsas no teu ventre, o enigma azul dun crisantemo, a bágoa vella dunha palabra, a música triste do meu canto, ese labio abismo que te afirma.

Serei remol de lume vivo, vella serpe de pan e linõ, fariña munda, oceánica esperanza, un laio de estirpe a zoar polas gándaras, un desexo de lúas na razón última do universo.

Viverei ainda as paisaxes antigas, o tempo fluvial dos salgueiros, a eufonía anfibia dos versos, o goce azul dos horizontes, o destino infinito dunha nostalxia.

Contarei na primavera os séculos, o tránsito paseninõ das agonias, as metáforas ocultas da incerteza, as consagracións intimas do solpor.

E gardarei as horas no silencio para que a noite só sexa signo e caricia, para que no teu libro de auga apalpe a palabra carnal, a idolatría.
Antón Riveiro Coello, Limaiaé

Sem pretender ser escrito em verso, julgo que foi o livro mais poético que até agora li!
Antón Riveiro Coello, juntamente com o ilustrador, um mexicano Manolo Figueiras, também eles nos acompanharam peregrinamente em todo o roteiro, no dia dedicado a este autor. A poesia, a narrativa e a literatura de viagens, são géneros que Antón Riveiro Coello tem cultivado numa obra reconhecida já com múltiplos galardões. É autor, entre outros livros, de A quinta Saler, As rulas de Bakunin, Cartafol do Barbanza e A esfinge de Amaranto.
Limaiaé tenta aprofundar, desde a fusão poética das palavras e as imagens justapostas, na procura insondável das lembranças e as sensações longinquas. mas não perdidas. É um exercício de comunhão com a terra. Uma verdadeira geografia da alma.
monge

27.11.07

Espazos literários da Limia

Os espaços literários de Limia, organizados pela Consellería de Cultura da Galiza e a Delegação da Cultura do Norte, visou conhecer o património cultural limiano (Xinzo de Limia) onde participaram meia centena de várias personalidades vinculadas à cultura galega e portuguesa. Como elemento da redacção do jornal lá da escola, também fomos bafejados com um convite e toca então de fazer o saco para esta expectante jornada.
O que levamos? Por mim, rebentava de curiosidade em ir conhecer aspectos da vida desta personalidade contemporânea e amiga de Torga, com um percurso de vida simples e fascinante.
Com um magnífico naipe de anfitriões, desde escritores, um arquitecto, um ilustrador, um fabuloso contador de histórias, lá fomos percorrendo os cantos que foram servindo de inspiração ao poeta. Então, ficamos ali convencidos que, "qualquer lugar é um espaço literário" porque ouvir poesia, magnificamente declamada, à sombra de carvalhos, no meio de extensíssimas veigas, no alto de uma torre, num claustro de um mosteiro, cantada numa taberna e mesmo na casa do autor (que mantém todos os objectos no sítio desde a sua morte), garanto que é qualquer coisa de transcendente!
O que trouxemos? O moleskine a transbordar e os ouvidos prenhes de palavras e boas amizades galegas e com enorme vontade de lá voltar para calmamente percorrer de novo todos aqueles espaços. Magnífico!!!

LEMBRANZAS

Lémbrome que lembraba unhas lembranzas
que foron un pasado que non teño
En desmemoria habito, fun, non veño
máis que de altos olvidos e inquedanzas

Coido que fun feliz cando era neno,
mais nada sei do alén, rosa de lama,
se cadra anda comigo ó pé da cama
na que me deito e fuxo. Hai un aceno

mortuorio, non penso, calo en sonõs
as desmemorias bulen fuxitivas
e eu non busco memorias nos ensoños

Aprendín a morrer, ó neno olvido,
il ven tódalas noites, mortes vivas,
sen traguer as lembranzas que non pido.

(Antón Tovar, Cadáver adiado, 2001)
monge

18.11.07

Terra Firme

PRIMEIRO ACTO

Cozinha de casa de lavoura. Lareira, mesa, louceiro, preguiçeiro e bancos pequenos. Porta à esquerda para o pátio, de que se vê parte. Outra á direita, que comunica com o interior da casa. Quando o pano sobe, estão quatro pessoas em cena, dois homens e duas mulheres, sentadas à lareira, a conversar. Uma das mulheres faz meia. Luar lá fora.

CENA I

TIO ANTÓNIO
(erguendo-se)

Pois não vendo, não. Lá que te fazia arranjo, concordo. Mas não vendo. É onde semeio as batatas no cedo, tem a costeira que dá mato, fica-me ali à mão...

TIO JOAQUIM
(erguendo-se também)

Não estejas a desconversar! Fala-me com a franqueza com que te falo! Então as Bajancas ficam-te à mão? Diz que não te interessa o negócio, e acabou-se. Agora que a leira te fica à mão !... Nos calcanhares do mundo! A bem dizer no termo do povo! A mim convinha-me, por ter o migalho ao pé ... Juntava tudo ...

TIO ANTÒNIO
(irónico)

Por esse andar, também eu te podia comprar o teu bocado e aumentar o meu ... Se é para juntar ...

TIA GUILERMINA

Eu, terras ... estou mais farta ... por minha vontade, fazia-se a escritura amanhã ...

TIO ANTÓNIO
(irritado)

Pois se é da tua vontade, não é da minha! Enquanto eu viver, não largo um palmo a ninguém.

Foi este belo texto de Miguel Torga que, ontem, o grupo Filandorra do Nordeste levou a cena no magnífico teatro de Vila Real. Apesar de uma tão fria noite, foram momentos aconchegantes que se passaram ali, junto do lar daquela família transmontana, imaginado-nos sentados no escano com enorme vontade de ali estar. Mal chegamos a casa, entusiasmadíssimo, o Pedro quase que suplicou:
- Pá, quero ler o livro. ( ... e já o leva meio vindimado!)

Obs.: A peça "Terra Firme", drama em três actos, foi a obra escolhida pelo Filandorra para assinalar o centenário do nascimento de Miguel Torga, cuja estreia ocorreu na terra natal do escritor e percorreu 11 concelhos da região do Douro ao longo do ano. "Terra Firme" conta a história de Ti António, um velho camponês agarrado à terra, que sofre e desespera por o filho ter escolhido a vida de marinheiro e andar, há 20 anos, no mar alto, sem jamais ter voltado à terra natal.
monge

16.11.07

CONTOS DO NASCER DA TERRA
"Era uma vez uma menina que pediu ao pai que fosse apanhar a lua para ela. O pai meteu-se num barco e remou para longe. Quando chegou à dobra do horizonte pôs-se em bicos de sonhos para alcançar as alturas. Segurou o astro com as duas mãos, com mil cuidados. O planeta era leve como uma baloa.Quando ele puxou para arrancar aquele fruto do céu se escutou um rebentamundo. A lua se cintilhaçou em mil estrelinhações. O mar se encrispou, o barco se afundou, engolido num abismo. A praia se cobriu de prata, flocos de luar cobriram o areal. A menina se pôs a andar ao contrário em todas as direcções, para lá e para além, recolhendo os pedaços lunares. Olhou o horizonte e chamou:
—Pai!
Então, se abriu uma fenda funda, a ferida de nascença da própria terra. Dos lábios dessa cicatriz se derramava sangue. A água sangrava? O sangue se aguava? E foi assim. Essa foi uma vez."

Já tinha lido sobre Mia Couto, mas nunca tinha lido Mia Couto. E, simplesmente, fiquei encantado. Bem que me avisaram quando me ofereceram o livro: - olha que é um autor com uma linguagem muito fértil; um inventor de palavras e de termos. E realmente, ao longo da leitura, os seus neologismos não cessam de nos surpreender, se não vejamos: ... letrinhei, ... desentretanto; ... devagaroso; ... tudo irresultou; ... ela se tinha imensado. Ou então expressões: ... metida em vara de sete camisas, ... promete mundos sem fundos ... às duas por muitas, ... tudo a pratos lavados, ... .

O que não me disseram foi que, parece ser um autor que se preocupa em interpretar a verdadeira natureza das coisas, para as quais consegue arranjar definições de original beleza.

"Necessitamos não do nascer do Sol. Carecemos do nascer da Terra."

Em todo o mundo, os pobres têm essa estranha mania de morrerem cedo”.
"A sede se inventa é para a miragem das águas."
"O futuro é um país que não se pode visitar."
"Nem tudo se explica, para que se compreenda melhor. Para ver a gente necessita transparência, mas se tudo fosse transparente todos seríamos cegos."
"A vida não tem metades é sempre inteira."
"... a morte é o fim sem finalidade."
"Eu quero a paz de pertencer a um só lugar, a tranquilidade de não dividir memórias. Ser todo de uma vida."
"A memória ... me faz crescer cheiros nos olhos."
"Os boatos viajam à velocidade do escuro."
"Se acredito, eu? Sei lá. Minha crença é um pássaro. Sou crente só em chuva que cai e esvai sem deixar prova."
"Careço de um lugar para esperar, sem tempo, sem mim."
"A punição do sonho é aquela que mais dói."
"O que o homem tem do pássaro é inveja. Saudade é o que o peixe sente da nuvem."
"Uma criança é um homem que se dá licença de voar."
"O cansaço é um modo do corpo ensinar a cabeça."
"A vida é um por enquanto no que há-de vir."
"Ingrata é a morte que não agradece a ninguém."
"Na Natureza ninguém se perde, tudo inventa outra forma."
"A água corre com saudade do que nunca teve: o total, imenso mar."
"A tristeza é uma janela que se abre nas traseiras do mundo."
"Abrigo maior não encontrei senão nas paragens da memória."
"Não há medo maior que não se entender humana a voz de outra humana pessoa."


E foi assim.

monge

15.11.07

O verdadeiro segredo ... ser feliz.



Posso ter defeitos, ficar ansioso e ficar irritado algumas vezes
Mas não esqueço de que a minha vida é a maior empresa do mundo.
E posso evitar que ela vá à falência.

Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver apesar de todos os desafios,
incompreensões e períodos de crise.
Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e se tornar um autor da própria história.
É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar um oásis no recôndito da sua alma.

É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida.
Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos.
É saber falar de si mesmo.
É ter coragem para ouvir um "não".
É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta.

Pedras no caminho?
Guardo todas, um dia vou construir um castelo ...
Fernando Pessoa

monge

14.11.07

«The Secret»



Fala-se por aí, à boca cheia, deste título e de todo o sucesso que tem feito por esse mundo fora. Ao que parece, surge como uma nova teoria de auto-ajuda onde é revelado que, sozinhos, podemos mudar tudo o que quisermos na nossa vida, isto desde que, consigamos controlar e aprender a usar a Lei da Atracção. Segundo dizem, trata-se de uma lei natural em que, nós conseguimos atrair tudo aquilo que pensamos, seja positivo ou negativo, e, assim sendo, poderemos adquirir o poder de modificar o que nos desagrada na nossa vida.

Até que pode ser. Fiquei curioso!



monge

10.11.07

Os Fantasmas de Goya

Como isto dos posts é como as cerejas, por estes dias, caiu-nos no colo (e no goto) este título que também versa (a apaixonante) temática da Inquisição.

Não nos pareceu, um filme só sobre Goya, mas sim um retrato da Espanha nos finais do Séc. XVIII, ainda subjugada pelo intolerante e impiedoso espectro do Santo Ofício e pelo entrecuzar das invasões napoleónicas e os ideiais revolucionários.
Além de uma excelente fotografia, revela-nos também magníficas e sóbrias interpretações. Vale a pena!

monge

9.11.07

Mais vale tarde do que nunca!


Porque um desafio é sempre um desafio, e, não sendo homem de lhe virar as costas, finalmente, após prolongada convalescença gripal, é tempo de aceitar o repto lançado pela amiga avelaneiraflorida (cantares de amigo). Então, de acordo com as regras que se seguem, a resposta aqui vai.

1ª) Pegar um livro próximo (PRÓXIMO, não procure);
2ª) Abra-o na página 161;
3ª) Procurar a 5ª frase completa;
4ª) Postar essa frase em seu blog;
5ª) Não escolher a melhor frase nem o melhor livro;
6ª) Repassar para outros 5 blogs;
7ª) Divulgar o nome do livro e do autor.

"O tratado sobre a autoridade secular de Lutero separa claramente o reino de Deus e do mundo, onde a obediência deve ser absoluta mesmo que a ordem seja injusta".
Armelle Le Bras-Chopard, As Putas do Diabo. Circulo de Leitores, 2007.

Abstract:

"Entre os séculos XV e XVII, os processos de bruxaria conduzem à fogueira sobretudo mulheres, que representam oitenta por cento das condenações. Os tratados de demonologia, escritos por teólogos, inquisidores ou magistrados a partir de confissões obtidas sob tortura, descrevem as práticas a que as bruxas se entregam, desde a cópula com Satanás para obterem os seus poderes maléficos, ao roubo de crianças recém-nascidas a fim de serem comidas ou transformadas em unguentos ...
Porém, para a autora, a feminilidade e o perigo que ela representa foram o verdadeiro móbil desta perseguição. Um fenómeno mais político do que religioso, que levou à cosntrução no masculino do Estado moderno, e que desapareceria apenas quando as bruxas deixaram de ser necessárias, ou seja, quando as mulheres foram colocadas sob "tutela", o que as tornava menos perigosas.
Contudo, hoje, que as mulheres ocupam um lugar cada vez maior no espaço público, não se irá a assistir ao regresso das bruxas?"

Obs.: «As Putas do Diabo», era o nome com que Lutero designava as bruxas do seu tempo por terem supostamente relações sexuais com o demónio.

"A tolerância é sempre um indício de que um poder é visto como seguro; quando se sente em perigo, nasce sempre a pretensão de ser absoluto; nasce, portanto, a falsidade, o direito divino do seu privilégio, a inquisição."

M. Frisch

Nota: O título divulgado foi o segundo a ser "pescado", em virtude do primeiro, não ter as páginas necessárias ("História de uma gaivota e do gato que a ensinou a voar" - Luis Sepúlveda).

monge