23.10.20

 Quem me dera saber escrever...

"... dentro de mim afluem rios atarefados e pujantes. Crescem árvores compreensivas e centenárias. Corre-me no sangue a vontade e inocência de uma criança, e nos músculos e nos ossos, a força de cem homens....
- Mas de que me vale? Para que me vale ser um universo inexplorável? De que me vale ser um pomar se a minha fruta não pode ser colhida?"
by Pedro Vilares
... como ele.
Maria Manuela Rua Martins

23.10.16


Há um lugar onde vou
sempre que lá quero ir.
Para não ficar onde estou
logo penso em partir.
monge

9.6.16

Entre os animais falantes
o poeta é o que mais
diz coisas interessantes
aos colegas racionais

Diz-lhes que a lua é de gesso
que o Norte pode ser sul
que o avanço é retrocesso
e que o céu é azul

José Carlos Ary dos Santos

Não podemos traduzir a dimensão de todos os sentidos.
Talvez a literatura consiga, na sua função poética e em todas as outras.
Sem pragmatismos nem valores poéticos, a linguagem cumprirá sempre o seu propósito: encontrar o significado das coisas.

4.6.16

As palavras que já pensei

Mas a escrita exige solidões e desertos
E coisas que se vêem como quem vê outra coisa

Sophia de Mello Breyner

Quando pensamos que somos capazes de experimentar todos os sentidos, fazêmo-lo. 
Sem invalidar outros pressupostos, neste caso quase que experimentamos outros sentidos da linguagem.
Temos que ver!

20.5.16


Hoje ouvi isto:
" O respeito e a amizade são coisas que devem ser partilhadas".

Tentei ilustrar esta definição com imagens pesquisadas na net e sai-me esta.
À falta de melhor!
Para ilustrar os momentos de amizade e de respeito, devemos utilizar as cores que melhor possam representar esses sentimentos. Sim, sentimo-los sempre.
A amizade, por motivos óbvios, consegue-se pensar e sentir. Conseguimos partilhá-la. Decisão acertada.
E o respeito?
O respeito também. Contudo, além de pensado e sentido, o respeito deve ser, inquestionavelmente, experimentado.
Qual a melhor noção de respeito?
Aparentemente fácil. Basta pensar que sou eu e os outros. mas para os outros eu posso ser eu.
É a mensagem que devia estar sempre presente. Experimentada por todos.


13.2.14





Língua Pátria

Há dias, ao ler um dos nossos diários, na secção de deporto, vinha uma notícia com o seguinte título " Portugal sem expressão nos desportos de inverno."
Sobre a participação de Portugal nos Jogos Olímpicos de inverno na Rússia, a notícia, obviamente, referia-se ao facto de o nosso país, como não tem condições para a prática de desportos de inverno (apesar de haver uma Federação de Desportos de Invernos - FDI Portugal !), viu-se na contingência de recorrer a portugueses nascidos fora de portas. Estes nossos ... como é que hei de dizer!? ... estes nossos luso-descendentes, apesar de pouco ou nada conhecerem de Portugal e da língua portuguesa, confessaram-se muito orgulhosos de levarem as cores nacionais até à Rússia.
Não quero pôr sequer em causa os sentimentos desses atletas (Camille Dias e Arthur Hanse), simplesmente achei estranho sermos representados por alguém que ainda não disse uma única palavra em portugês. Se a língua expressa a cultura de um povo e está diretamente ligada à estrutura da sociedade a que pertence, sendo uma das suas mais importantes expressões culturais, o que realmente vamos ver representado são as cores da nossa bandeira, nada mais.
 
"Minha patria é a lingua portuguesa." 

Bernardo Soares  in, Livro do Desassossego

Assim sendo, teremos de adulterar a nossa universalidade e, neste caso, aceitarmos que a nossa língua são as cores da bandeira nacional. Mas que importa! Como alguém dizia na notícia: "Interessa é estar lá." Apesar de não termos grande (nenhuma!) expressão.

monge

6.2.14

A UTOPIA

"O tempo passado e o tempo presente fazem parte do tempo futuro".
(T.S.Elliot)

Tenho andado desencantado com o tempo! E não me refiro, obviamente, a estas condições atmosféricas tão  desinteressantes e castradoras. Refiro-me sim, ao discorrer momentaneo desta existência. Creio, diariamente, num futuro melhor que o passado, num projeto de uma sociedade que vá de encontro à verdadeira natureza dos homens. Atualmente, dá ideia de viver-se num tempo fechado, parecendo que o futuro deixou de existir, em que as pessoas cada vez mais individualizadas, não sentem a necessidade do sacrifício por causas que se tornam cada vez mais urgentes. Todos os profetismos parecem ter falhado! Todas as pessoas parecem ter incorporado a ideia de um tempo utópico. Não! O tempo é real. E merece ser vivido. Despido de enigmatismos e com promessas de felicidade.
monge

29.1.14

 Plano de fuga!

Diz-se que certos animais, perante as ameaças, antes de "arrancar", já tem delineado um estratagema para se evadirem de potenciais capturas. Sem contar, inevitavelmente com os planos de ataque dos predadores, partem confiantes do seu destino.
Num dia destes, enquanto esperava, numa instituição também frequentada por pessoas especiais, sentei-me sossegadamente a observar alguém que teimava em não sair do sítio. Mesmo sendo hora de intervalo, no meio de todo aquele lufa-lufa, o rapaz plantou-se ali sem ideias de ir para lado nenhum.
Determinado, avançava um passo e recuava outro, mudando de direção em cada balanço. Continuamente!
Seria a vontade amordaçada num corpo, refém de cada passo preso? Seria um corpo tolhido por uma vontade desfalecida? Seria!
Embora sabendo que, objetivamente não se pode experimentar a vida de alguém, aquela insistência fez-me pensar em todos os movimentos em que parto, umas vezes comigo, outras vezes sem mim. E parto!


monge

27.1.14

O CLAUSTRO DO SILÊNCIO

Sabendo do meu interesse pelo tema dos Templários e pela Ordem de Cister, logo a amiga Sofia se prontificou para me emprestar este magnífico livro.
Trata-se de um romance histórico que se situa no conturbado período das Invasões Francesas e da extinção das ordens religiosas, debruçando-se essencialmente sobre o Mosteiro de Alcobaça, a casa-mãe cistercienese no nosso país.
Não me vou alongar muito mais sobre o tema porque, efectivamente, perdi-me. Perdi-me no tempo, perdi-me no espaço,  perdi-me na forma e no conteúdo da narrativa. Tal erro vai obrigar-me a reler o livro,obviamente. Mas não me perdi de todo: caminhei sempre junto do narrador.A cada passo, empurrado pela força inconsciente da vontade, apercebia-me de uma revigorante sensação que me obrigava a estar atento o tempo todo, curioso e pronto para refletir cada vez mais a qualquer momento.
Nunca me lembro de ter lido um livro em que o narrador fosse tão reflexivo, tornando-se uma personalidade em si mesmo. As suas reflexões tornaram muito mais sedutora a viagem, oferecendo boas oportunidades para explorar da melhor maneira os conflitos da alma, sem perder de vista aquilo que nos move. 
Sem me parecer um puro exercício de escrita, a sua postura parece tornar-se decisiva para interpretar e analisar as emoções humanas, que de uma forma natural e espontânea, se direcionam para um lugar que sempre pertenceu à razão.
monge
Aqui ficam então alguns desses momentos:
"A ligeireza da politica e a dos amores vadios são duas faces da mesma superficialidade. Ou vaidade. Todos os homens poderosos o são, vaidosos e superficiais, no julgamento dos outros, tidos como inferiores por natureza."
"Mas toda a instituição tem o fim marcado quando adulterou a razão de ser."
"Que a vontade de ser nos leva a construir uma realidade à medida de nós próprios."
"[…] a verdade, quando usada e subvertida, deve sê-lo com a subtileza de boa aparência. Doutro modo, a ficção, que é a mentira vestida de boas vestes, chega a sobrepor-se à própria verdade, deixando-a na penumbra da conveniência."
"Todos somos construtores de Tempos ou parasitas do tempo."
"O desespero e a raiva são a forma de ajustar contas com o lado ingrato da vida."
"Liberdade é a dimensão da realização do homem. Meio caminho entre o que se tem e o que se cria."
"O regresso faz-se sempre em direcção ao futuro. Regressar ao passado é colocá-lo, a ele ou a nós, fora do tempo."
"As palavras são excessivas para gente sábia."
"O caminho de cada um é cada um que o faz, no caminhar dos dias."
"Tudo o que é complicado não é útil. E tudo o que é útil é simples."
"Como se alma fosse um chão fértil, lugar onde se agarram as raízes do sentimento, mesmo quando o vento levou para longe as folhas, as imagens, e o tempo dispersou os sons."
"Todos os caminhos devem ser ousados e prudentes."
"A maior cegueira não é a da luz, mas a da ausência do sentido das coisas."
"O pensamento é um estranho iluminar do espírito que some para sempre, quando a destruição o cobre de esquecimento."
"O tempo é um livro de leitura lenta que se vai mostrando nas dobras de um segredo permanente."
"Perdeu-se a capacidade de falar com os mitos. Quando assim é perdemos o rasto do infinito. Agora tudo querem fazer pela razão. Pensam que avançam mais. É engano. A raíz do homem está mais além. A razão? Tudo são caminhos dos muitos caminhos que são o caminho do homem. Mas é preciso ouvir a razão. Doutro modo, gera-se a tirania da sem-razão."
"O símbolo é aquela parte invisível da realidade que ultrapassa o tempo."
"Os nós que atam os afectos e os ódios ficam do outro lado da consciência. Mas são eles que comandam os actos."
"A vida é um processo muito mal-entendido. Todos estamos numa jaula de limite."
"Só é real o que está para além da limitação. O resto é aparência."
"A noite. Essa vida feita de ausência."
"O pensamento é como um pássaro volúvel. Esquece facilmente o seu percurso de voo."
 
Nota: Esta obra venceu o Prémio Virgílio Ferreira 2001.

19.1.14

About Time (2013)

Trata da possibilidade de se poder recuar no tempo para tentar remediar as coisas ... mas nem todas!

Permite-nos perceber que devemos tentar viver todos os dias como se tivessemos voltado deliberadamente ao dia de hoje, para o desfrutar como se fosse o último dia da nossa extraordinária e ordinária vida.

"Estamos todos a viajar no tempo juntos todos os dias. Tudo o que podemos fazer é dar o nosso melhor para aproveitar esta viagem extraordinária".

Deliciosamente humano!

18.1.14

José Carlos Ary Dos Santos - Soneto Presente

José Carlos Ary Dos Santos

Poeta e declamador, faleceu no dia 18 de Janeiro de 1984, com 47 anos de idade.
Faz hoje 30 anos que nos deixou. 

Recordemo-lo...

"Não me digam mais nada senão morro
aqui neste lugar dentro de mim
a terra de onde venho é onde moro
o lugar de que sou é estar aqui.

Não me digam mais nada senão falo
e eu não posso falar eu estou de pé.
De pé como um poeta ou um cavalo
de pé como quem deve estar quem é.

Aqui ninguém me diz quando me vendo
a não ser os que eu amo os que eu entendo
os que podem ser tanto como eu.

Aqui ninguém me põe a pata em cima
porque é de baixo que me vem acima
a força do lugar que for o meu."

1.2.13

Absolutely!


11.1.13

Quero lembrar-me.
Para poder ser eu mesmo.
Ser quem era.

A busca do homem é descobrir quem ele é de facto, mas a resposta está no presente, não no passado.
O passado diz-nos quem nos tornamos. O passado é uma construção da mente, cega-nos e leva-nos a acreditar nele.
Mas o coração quer viver no presente. E viver no presente é encontrar a resposta.

"A recordação é uma traição à natureza. Porque a natureza de ontem não é natureza. O que foi não é nada, e lembrar é não ver." (Fernando Pessoa)

monge

31.8.12

 
 
Encaminho-me, sem saber, para sítios onde julguei ter estado.
 

25.8.12

Love Likes Coincidences


Teve início ontem, cá em casa, a nossa sessão de cinema em família. Com pipocas ou sem pipocas, a partir de agora (esperemos!) todas as sextas feiras iremos tentar ver um filme em conjunto. Ou melhor, no meu caso, terei que o rever pois o filme deverá ser visto com antecedência para evitar quaisquer tipos de imprevistos que possam não se adequar a todas as faixas etárias.
Assim sendo, iniciamos com um filme que já tinha visto há tempos e o qual tinha ideias de partilhar com os meus. É um filme de origem turca, já de 2011, mas que está muito bem conseguido.  Com  boa realização, magnífica interpretação, boa fotografia e com um enredo surpreendentemente impressionante e terno.
Aconselhável para quem gosta de coisas do coração.
Magnífico!

18.6.12

365 Dias com Histórias da História de Portugal
Sinopse:À segunda-feira conheça os grandes factos e pequenos episódios que marcaram a História de Portugal, à terça é a vez de ser apresentado aos seus protagonistas, na quarta trave guerras sangrentas e batalhas vitoriosas e na quinta veja-se envolvido em revoluções e conspirações que abalaram o poder. A sexta é dia de ficar a par das histórias de alcova, de traições e infidelidades de reis, rainhas e não só e no sábado surpreenda-se com os mitos, lendas e curiosos mistérios dos nossos nove séculos de História. Para terminar a semana, ao domingo é tempo de descansar a ler episódios relacionados com grandes escritores, artistas e monumentos de Portugal. O convite é irrecusável. Só precisa de poucos minutos por dia para, de forma concisa e divertida, fazer uma extraordinária viagem pela História de Portugal ao longo de 365 dias. Cada dia é uma nova descoberta. Uma nova história.


Tal como a sinopse indica, trata-se de um grande livro repleto de pequenas histórias (365, precisamente) sobre Portugal, desde os principios da nossa nacionalidade até à revolução dos cravos, mais coisa menos coisa. Apesar das suas 700 páginas, é um livro que se torna de leitura fácil, quer pelo interesse que desperta, quer pela fluidez da escrita, quer pelo bom humor com que o autor aborda muito dos temas. E mesmo tratando-se de histórias com uma ou duas páginas, não se pense que uma por dia chega. Nada disso! Mesmo estando nós num ano bissexto, sobram os dias para tantas histórias.
Sabendo que a Sofia, amiga interessada pela história e com sentido de humor apurado, também mostrou interesse pela sua leitura, prontamente lho levei para depois partilharmos ideias à hora do almoço.
Interessantíssimo!

monge

17.6.12

                                      Curso rápido de gramática
- Filho da puta é adjunto adnominal, quando a frase for: ''Conheci um político filho da puta".
- Se a frase for: "O político é um filho da puta", aí, é predicativo.
- Agora, se a frase for: "Esse filho da puta é um político", é sujeito.
- Porém, se  apontares uma arma para a testa do político e dizes:"Agora nega o roubo, filho da puta!" - daí é vocativo.
- Finalmente, se a frase for: "O ex-primeiro ministro, aquele filho da puta, arruinou o país e não só" - daí, é aposto.
Que língua a nossa, não?!
Agora vem o mais importante para o aluno. Se estiver escrito:
"Saiu de primeiro ministro e foi viver para França e ainda se acha o salvador da pátria." O "filho da puta" aqui é sujeito oculto ...
Irresistível ... a bem da língua portuguesa, mas a mal do seu embrutecido povo! 

15.6.12

Bom dia me dê eu

Quando percorremos algumas aldeias do nosso interior transmontano, frequentemente somos contemplados com um acolhedor e ancião cumprimento: " Bons dias nos dê Deus!" 
Se por um lado nos conforta, por outro empurra-nos o espírito para  divagações mais profundas acerca do seu verdadeiro significado e da forma meiga e suave da boa intenção de quem o profere.
Embalado pela música que levava nos ouvidos (seja para que lado for que ela nos consegue levar), chego ao ginásio cheio de ganas para enfrentar  os  desvarios com que as distrações gulosas nos conseguem ludibriar. Sem reparar em mim, acerto a altura do assento da imóvel bicicleta, sento-me, ergo os olhos para o espelho que forra a parede dianteira e educadamente cumprimento-me:
- Bom dia!
Poder-me-ia ter rido, mas não foi essa a reação primeira. 
Também esse cumprimento repentino despertou em mim outro eu. Esse momento, foi motivo mais que suficiente para um poderoso exercício de reflexão, o qual permitiu sair de um existir monótono e difuso, para encarar destemidamente as promessas do futuro. Isso trazer-me-ia mais tarde, outro momento do existencialismo sartriano, em que um simples seixo frio apertado na mão, nos consegue dizer que estamos vivos. 
Muito provavelmente, serão estes momentos que nos proporcionam alguma consciência.

monge

5.5.12

Rimas de Petrarca
   


Acabado de sair da mesinha de cabeceira, este livro que Vasco Graça Moura intitulou As Rimas de Petrarca, é a primeira tradução integral para língua portuguesa dos Rerum Vulgarium Fragmenta, no título original, obra também conhecida por Canzoniere.
Edição bilingue com mais de 900 páginas, a obra é constituída por um total de 366 composições que se dividem em 317 sonetos, 29 canções, nove sextinas, sete baladas e quatro madrigais.
Como é que se lê um livro de poesia com esta envergadura? Como se leem todos os outros livros de poesia, suponho. Se a leitura não obrigar a uma disciplina sequencial, nada melhor do que vagabundear de poema em poema, qual salteador à procura de se encantar pela magia das palavras.
De Petrarca ficou-me apenas o nome, certamente mencionado pelo P.e Leão nas aulas de Português. Já que Petrarca é tido  como o criador do soneto (e tendo gostado especialmente de um), nada melhor do que deixar aqui alguma marca da sua genealidade. Eu de italiano non capisco niente, contudo gosto da sonoridade da língua e por isso a versão original do poema. Por pura curiosidade, procurei outras traduções, tendo ficado agradavelmente surpreendido pela variedade de interpretações, quer causadas pela riqueza da língua, quer pela sensibilidade poética de cada um. 

Pace non trovo e non ho da far guerra;
e temo e spero, et ardo e son un ghiaccio;
e volo sopra'l cielo e giaccio in terra
e nulla stringo e tutto 'l mondo abbracio.

Tal m'ha in prigion che non m'apre nè serra,
nè per suo mi ritien nè sciogle il laccio;
e non m'ancide Amor e non mi sferra,
nè mi vuol vivo nè mi trae d'impaccio.

Veggio senz'occhi, e non ho lingua e grido;
e bramo di perir e chieggio aita;
e ho in odio me stesso ed amo altrui.

Pascomio di dolor, piangendo rido;
egualmente mi spiacecmorte e vita:
in questo stato sion, donna, per vui.

Francesco Petrarca (1304 -1374)

Nem tenho paz nem como fazer guerra,
espero e temo e a arder gelo me faço,
voo acima do céu e jazo em terra,
e nada agarro e todo o mundo abraço.


Tem-me em prisão quem ma não abre ou cerra,
nem por seu me retém nem solta o laço,
e não me mata Amor, nem me desferra,
nem me quer vivo ou fora de embaraço.


Vejo sem olhos, sem ter língua grito,
anseio por morrer, peço socorro,
amo outrem e a mim tenho um ódio atroz,


nutro-me em dor, rio a chorar aflito,
despraz-me por igual se vivo ou morro.
Neste estado, Senhora, estou por vós.


Tradução: Vasco Graça Moura

Não tenho paz nem posso fazer guerra;
temo e espero, e do ardor ao gelo passo,
e voo para o céu, e desço à terra,
e nada aperto, e todo o mundo abraço.

Prisão que nem se fecha ou se descerra,
nem me retém nem solta o duro laço;
entre livre e submissa esta alma erra,
nem é morto nem vivo o corpo lasso.

Vejo sem olhos, grito sem ter voz;
e sonho perecer e ajuda imploro;
a mim odeio e a outrem amo após.

Sustento-me de dor e rindo choro;
a morte como a vida enfim deploro:
e neste estado sou, Dama, por vós.


Tradução: Jamil Almansur Haddad





Não tenho paz, e não me fazem guerra
Espero e temo, sou um gelo e asso
Aos ares vôo, tendo os pés na terra
Braços vazios, todo o mundo abraço

Aberta está a cela que me encerra
E nem me prende e nem se afrouxa o laço
Amor me absolve e não me desaferra
Ou me condenas e solta-me o baraço

Sem olhos vejo, e grito sem a língua
Eu, que amo tanto, sou por mim odiado.
Almejo a morte e clamo por socorro

Choro de rir, sou rico e sofro à míngua
E tanto faz, por mim, se vivo ou morro
Por ti, Senhora, é que ando neste estado.

Tradução:Sérgio Alcides

monge